‘No Brasil, igualdade depende da circunstância’, afirma Roberto DaMatta à Revista PB
Um dos intelectuais mais destacados do Brasil contemporâneo, o antropólogo Roberto DaMatta acredita que a estrutura hierarquizada nacional dificulta um horizonte social mais igualitário — ou mesmo o sucesso de políticas desenhadas para esse fim. “Pode haver leis para tentar equalizar, democratizar, mas a igualdade não pega, porque depende sempre da circunstância”, afirma ele, em uma entrevista exclusiva à edição comemorativa de 60 anos da Revista Problemas Brasileiros, editada pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Para DaMatta, as situações sociais do cotidiano brasileiro são determinadas pelas circunstâncias dos acontecimentos e dos sujeitos envolvidos. “Em algumas delas, nós somos iguais, mas, em outras, acontecerá o contrário, dependendo da cor da pele, do jeito que se fala, do corte de cabelo etc.”, destaca, concluindo o raciocínio: “No Brasil, não existe só o superior e o inferior, mas também o superior do superior, e o superior do superior do superior — e a mesma coisa com os inferiores. É uma gradação”.
DaMatta vê um país muito semelhante ao do contexto da criação da PB, em 1963, apesar das transformações pelas quais passou no período. Para ele, embora tenha alcançado uma “modernidade superficial”, os grandes entraves nacionais persistem. “Ainda convivemos com dificuldades na educação primária, na saúde, na desigualdade…”.
Na entrevista, o autor de ‘Carnavais, malandros e heróis’, ainda analisa a volta de Lula ao poder, reconsidera formulações sobre o racismo frente a conceitos atuais e explora os limites da política no Brasil, sempre sob a ótica da sociedade hierarquizada. “A divisão entre parlamentares do ‘baixo clero’ e do ‘alto clero’ é um exemplo disso: todos são deputados, mas uns são mais do que outros”, nota.
PB60
Disponível para download no site da publicação, a edição comemorativa de 60 anos da revista traz também entrevista exclusiva com Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Na conversa, ele afirma que a relação de Lula com os militares não era boa no início do governo, mas, agora, se estabilizou. O jurista também critica o mecanismo de decisões monocráticas na corte suprema nacional.
A publicação apresenta ainda um ensaio inédito da historiadora Mary Del Priore sobre as mudanças no papel da mulher na sociedade. “As transformações nos padrões culturais e nos valores relativos ao papel social da mulher, intensificadas pelo impacto dos movimentos feministas e pela presença mais atuante dessa parcela da população nos espaços públicos, alteraram a constituição da identidade feminina, cada vez mais voltada ao trabalho produtivo”, escreve.
Dentre as reportagens, destaque para um balanço dos problemas estruturais superados, como a hiperinflação, e outros ainda presentes no horizonte cotidiano — como a ineficiência dos gastos públicos. Mais do que olhar para o passado, a edição aborda desafios da atualidade, como a corrida pela descarbonização do setor produtivo e adoção da agenda ESG no meio empresarial. “As transformações que moldaram e influenciaram o Brasil são apresentadas por meio de um extrato das mais de 450 edições veiculadas desde 1963, além de vozes que nos ajudam a entender o País, suas mazelas e virtudes”, afirma o editor da PB, Lucas Mota.
Criada em 1963 pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo (atual FecomercioSP), a PB chega aos 60 anos de existência fiel ao propósito de sua criação: estimular o necessário debate à superação de mazelas seculares brasileiras. A trajetória da revista é marcada por amplo espaço para discussões acerca de questões sociais, econômicas e culturais. Livre de alinhamentos automáticos de qualquer natureza, a publicação acolheu, nas últimas décadas, a impressão de especialistas sem deixar de retratar os anônimos que vivenciam a realidade brasileira. Após um processo de reestruturações editorial e gráfica, a PB venceu o Prêmio Aberje na categoria Mídia Impressa, em 2019.
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